sexta-feira, maio 09, 2008
Dos dias em que espero.
Eles se olharam mais uma vez naquela noite, foram sessenta e cinco anos juntos, um amor nascido na época das proibições, das imposições, da distância oceânica, das mortes subitas e sem explições, depois daquela noite de 15 de Setembro de 2000 ela nunca mais foi sua, o tempo tomou conta de seus dias.
Hoje ele chorava ao telefone sua voz era velha e cansada, não dava para reconhecer se era um homem ou uma mulher, mas ele chorava, sessenta e cinco anos prolongados por medicamentos. Ela não o reconhecia mais, ele não sabia se lhe doiam as escaras, não sabia se fazia diferença dizer "eu te amo" todos os momentos que via seus olhos azuis que ainda guardavam o frescor de sua juventude. Ambos não tinham mais os dentes, tremia ao querer fazer qualquer movimento mais refinado, das fotografias tiradas em belas viajens a negócios ele tirava uma estranha paz misturada com o sentimento de injustiça, ele não tinha fé, era o desespero que eu ouvia naquele momento, ele chorava, em desespero me confessou que queria asfixiá-la enquanto dormia, depois mais calmo confessou que queria que seu coração parasse de bater delicadamente, mas que ele não poderia, por mais que não soubesse o porquê acabar com aquilo tudo, ele sempre a protegeu, ele foi o primeiro e único homem de sua vida e que por mais tivesse encontrado prazer entre pernas de belas prostitutas e amantes foi naqueles olhos que encontrou todas as respostas de sua existência e naqueles lábios a textura do amor. Parou de chorar e pediu que enviasse a listagem de medicamentos e as fraldas geriátricas. Em silêncio ouviu: - O senhor ainda vai encontrá-la e ela o reconhecerá. Depois de mais um breve silêncio ele disse: - É o que eu quero acreditar e assim espero, que horas o entregador me entrega tudo doutora? -Ás dez está bom para o senhor? -Sim está... Mas... -Não se preocupe, acertamos quando puder pagar, não se preocupe. -Ótimo então doutora, eu peço dinheiro emprestado para meu irmão e mais tarde acertamos. -Sem pressa... -Obrigada doutora. E desligou o telefone antes do adeus. Eu que agradeço meu senhor, eu que agradeço, suspirei e voltei a minha rotina. Marcadores: contos comuns..., crônica sempre tem algo comum..., olhar comum..., passado comum |
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